sábado, 10 de maio de 2008

ARTE ISLÂMICA: MESQUITA DE MÉRTOLA





Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Mértola (Igreja Matriz)

A Igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Mértola, encontra-se implantada em local elevado, destacando-se da envolvente urbana, numa zona que comprovadamente conheceu grande utilização ao longo dos séculos.
Alvo de interesse pela sua singularidade, a igreja apresenta vestígios de construções anteriores à ocupação árabe, como por exemplo, ainda do período do domínio romano quando Mértola floresceu sob a designação de Myrtilis.
Entre os séculos VIII ou IX o templo primitivo terá sido transformado em santuário muçulmano embora, pela sua tipologia arquitectónica e filiação estilística em templos marroquinos, a mesquita de Mértola não deva ser anterior à segunda metade do século XII, tendo em conta também que a presença almóada na Península se regista a partir de 1150. Em 1238, a vila foi reconquistada aos mouros por D. Sancho II que no ano seguinte a entregou à Ordem de Santiago, vindo esta a proceder à sua fortificação. Terá sido pois no século XIII que a antiga mesquita de Mértola passaria a ser adaptada a templo cristão, já sob o domínio dos cavaleiros espatários.
Com a reconquista, a mesquita de Mértola foi adaptada por mão-de-obra ainda desconhecida a templo cristão dedicado à Virgem Maria sofrendo, entretanto, intervenções pouco significativas. O templo cristão adoptou a evocação de Nossa Senhora da Assunção de entre ambas as águas, assim designado ainda nas Memórias Paroquias de 1758.
Uma das alterações mais importantes no templo, pelo seu significado simbólico, foi a construção do altar-mor no alçado nordeste e da porta principal que lhe ficou defronte, a sudoeste. A nova igreja manteve, no entanto, a planimetria quadrangular da mesquita, bem como os seus alçados, a sua divisão interna em cinco naves (com a central mais larga), seis tramos (um deles mais largo, descrevendo um “T” com a nave central) quatro portas estreitas de arco ultrapassado e a zona do mihrab ou nicho de oração islâmico, convertido em altar-mor.
Ao nível exterior, o edifício apresenta-se rodeado por contrafortes cilíndricos e coroado por merlões chanfrados e coruchéus cónicos, ao gosto o tardo-gótico alentejano, visível em inúmeras igrejas da região. O portal principal apresenta um perfil típico da Renascença, sendo sobrepujado um óculo. À direita destaca-se a torre sineira. No alçado sudeste destaca-se o perfil poligonal do antigo mihrab árabe.
No interior, as cinco naves são cobertas por abóbadas de cruzaria de ogivas que descarregam em colunas, enquanto que o tramo anterior à zona do altar-mor apresenta uma cobertura em abóbada estrelada exibindo, na chave central, o brasão dos Mascarenhas, por alusão ao comendador da vila que custeou grande parte da reforma deste templo. O edifício foi representado por Duarte de Armas (c. 1506), devidamente identificado enquanto antiga mesquita e ainda com cinco coberturas individuais de telhados de madeira à mesma altura.
A Igreja Matriz de Mértola apresenta uma expressão manuelina, resultante da transformação que sofreu em meados do século XVI. Porém conservou a estrutura do antigo edifício islâmico, datado da época almóada (século XII), bem como parte do seu mihrab. É ainda importante referir que o edifício incorpora vestígios de construções anteriores, nomeadamente da época romana, reaproveitados como material de construção (ex: fragmentos de mármore nos fustes que suportam a abóbada).
Desde 1238 que a Igreja tem vindo a ser alvo de sucessivas modificações e recuperações. No século XVII operaram-se diversas reformas no interior da igreja, como o entaipamento do espaço do mihrab e de portas, apeamento do coro alto de alvenaria e tijolo (que foi transferido para o alçado Sudoeste, sobre a porta principal e feito em madeira). A última intervenção, efectuada no século XX, levada a cabo pela DGEMN, empreendeu um vasto programa de obras de recuperação do edifício resultando na consolidação do templo, colocação de um telhado novo, substituição do pavimento degradado de madeira por um de pedra e tijoleira, demolição de anexos, da capela-mor e sacristia, entaipamento de janelões seiscentistas e setecentistas, desentaipamento do mihrab e das três portas de arco ultrapassado com alfiz, deslocação do altar-mor para a parede Sudeste.
A Igreja de Nossa Senhora da Assunção foi classificada de Monumento Nacional por decreto datado de 16 de Junho de 1910, publicado em Diário de Governo de 23 de Junho do mesmo ano.
O mihrab, conforme refere Cruz, surge no cruzamento da nave central com a transversal formando um recanto poligonal de cinco panos de excepcional execução técnica, coberto por uma abóbada em quarto de esfera. Apesar de se encontrar bastante mutilado, apresenta um alçado dividido em dois andares, sendo o inferior liso e o superior decorado com arcaturas cegas.
A decoração do andar superior é constituída por três arcos cegos polilobados com motivos serpentiformes que assentam em colunas adossadas ao centro de cada uma das faces, sendo rematado o nicho por uma cimalha moldurada pelo “cordão do infinito”. As colunas e os arcos destacam-se do plano de fundo cerca de 22 a 28 mm. Ainda nesse trabalho é referido que no andar superior surgem apontamentos de cor e vestígios de pintura a leite de cal. Na face esquerda, uma “legenda em letra gótica” e linhas de contorno de uma figura (incompleta) foram executadas sobre uma fina camada de cal (barramento a cal com a execução da legenda e do desenho a fresco - esgrafitos), enquanto na face direita surge, uma pintura com motivos geométricos realizada directamente sobre a superfície. Em ambos os registos pictóricos são bastante acentuadas as perdas de pigmentos, dificultando a sua leitura e interpretação. A estrutura e a decoração do mihrab, segundo os arabistas Torres Balbás e Christian Ewert, têm paralelismos com o da Mesquita de Almeria e sobretudo com os das mesquitas do Norte de África. A variedade de sobreposições e de composições, motivos geométricos e florais, que revestem o alçado do mihrab, reflectem a importância que esse espaço teve ao longo do tempo, bem como as múltiplas empreitadas levadas a cabo no interior da igreja.

Referências bibliográficas:
"A Igreja Matriz de Mértola", Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 71, 1953.
Cruz, Maria João S. (coord.), Relatório da Intervenção de Conservação e Restauro dos Revestimentos Arquitectónicos do “mihrab” da Igreja Matriz de Mértola – Registo técnico, gráfico e fotográfico da intervenção, Janeiro-Março de 2005.
Macias, Santiago; Torres, Cláudio, A Mesquita de Mértola, Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 2002.
Veiga, Sebastião, Memórias das antiguidades de Mértola, edição fac-similada da de 1880, Lisboa - Mértola, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Câmara Municipal de Mértola, 1983.

Publicações relacionadas :
Adriano, P.; Santos Silva, A., Caracterização de argamassas do período Romano e Árabe da Vila de Mértola, Relatório LNEC 200/06-NMM, 2006, 59 pp.
Santos Silva, A.; Ricardo, J. M.; Salta, M.; Adriano, P.; Mirão, J.; Estêvão Candeias, A.; Macias, A., "Characterization of Roman mortars from the historical town of Mértola", in Heritage Weathering and Conservation, Fort, Alvarez de Buergo; Gomes-Heras, Vasquez-Calvo (eds.), Taylor & Francis, Madrid, 2006, Vol. I, pp. 85-90

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