domingo, 10 de fevereiro de 2008

A arte do Manuelino (11º)








O manuelino não é um "estilo", pois abrange apenas a arquitectura e a decoração arquitectónica. Se fosse um estilo, como falamos do "estilo gótico" ou do "estilo barroco", teria de haver, também, uma pintura manuelina, uma literatura manuelina e uma música manuelina. O que se passa, de facto, é que este gosto de fazer e de decorar edifícios, ocorrido entre os finais do reinado de D. João II e os finais do reinado de D. Manuel I, foi paralelo ao desenvolvimento de uma pintura de influência flamenga e à introdução de um novo "estilo" em Portugal, o renascimento, que afectou os vários géneros artísticos e que até soube conviver harmoniosamente com o próprio manuelino como, por exemplo, no mais famoso edifício deste período: o mosteiro dos Jerónimos. Por outro lado, nos finais do séc. XV e princípios do séc. XVI ocorriam em Portugal sobrevivências do gótico final.

Assim, vemos que esta época foi de transição, de mescla de gostos e de tendências, aumentada com a expansão marítima e os contactos com outras culturas e artes dos demais continentes.Convém, contudo, notar que o manuelino foi uma arte arquitectónica muito apreciada pelos reis e priores sucessivos do mosteiro dos Jerónimos, pelo que mesmo após a morte de D. Manuel, e durante os séculos XVII e XVIII, as obras mais simples, como abrir uma nova porta ou fazer um altar eram encomendadas à maneira antiga do período de D. Manuel I.

Muitas teorias surgiram a tentar explicar o manuelino e ideias absurdas e lugares comuns foram repetidos vezes sem conta, sem que os seus autores reflectissem sobre elas ou lessem os livros que sobre o assunto iam sendo dados à estampa. Mesmo nos manuais escolares, as asneiras repetem-se que até aflige. Recomenda-se aos alunos que não leiam no manual da Porto Editora as páginas referentes à arte manuelina.

Uma das ideias mais típicas sobre o manuelino, mas incorrectas, prende-se com a sua decoração, nalguns casos versando sobre temas náuticos. Ora isto fez com que muitos vissem na decoração manuelina (cordas, bóias, algas, troncos nodosos, golfinhos, caraças dentro de tondos, etc.) um reflexo dos "descobrimentos" marítimos e uma glorificação dos navegadores portugueses como Vasco da Gama e outros. O Prof. Manuel C. Mendes Atanázio, já em 1984, no seu livro A Arte do Manuelino avisa que muita de decoração naturalista (troncos, cordas, flores e frutos, animais, etc.) prende-se com as artes efémeras da época, isto é, a decoração de arcos que se faziam nas festas religiosas e populares bem como nas entradas régias nas cidades. Por outro lado, os golfinhos que surgem nalguns pórticos manuelinos de igrejas matrizes junto do litoral prendem-se com os temas marítimos que tanto afectavam as populações locais. A terceira ideia sobre este problema, é que os restauros revivalistas feitos nos século XIX pelos românticos, e ocorridos nos principais monumentos portugueses como o mosteiro dos Jerónimos e a janela da casa do capítulo do convento da Ordem de Cristo em Tomar, foram executados sem rigor científico ou estilístico e adulteraram as fachadas e as decorações de forma que hoje só um olhar atento e crítico pode deslindar o que é original e o que é cópia e fantasia romântica.

Mas o manuelino não é só uma questão de decoração: ele também é, e sobretudo, uma questão de espaço e de estruturas arquitectónicas. A principal inovação é a criação de uma abóbada única, rebaixada (de combados) para as três naves, todas à mesma altura. Isto ocorre só em Santa Maria de Belém (Jerónimos) e nas igrejas matrizes de Arronches (Alentejo) e de Freixo-de-Espada-à Cinta (Trás-os-Montes). As abóbadas manuelinas possuem uma enorme rede de nervuras que ajudam a suportar o seu peso e o facto de a abóbada ser rebaixada exige um maior esforço dos muros. Esta estratégia propõe o tema da unificação espacial, tão querido aos arquitectos renascentistas. Por outro lado, estas abóbadas não possuem arcos torais, o que faz com que a igreja deixe de estar dividada em tramos (como acontecia no românico e no gótico) o que se conjuga perfeitamente no tema de unificação espacial. O grande arquitecto do manuelino foi o biscainho João de Castilho.
Todos os monumentos manuelinos, mandados fazer pelo rei, ostentavam os símbolos de poder real que eram a cruz da Ordem de Cristo (o rei era o seu mestre) e a esfera armilar.

Dados essenciais sobre o manuelino, que nas aulas e visita de estudo serão tratados com profundidade:

1 - O manuelino não é um estilo mas sim uma arte de construir e de decorar edifícios;
2 - O seu período de esplendor corresponde ao reinado de D. Manuel I, grosso modo compreendendo o primeiro quartel do séc. XVI;
3- O manuelino não é uma glorificação das "descobertas" e dos navegadores, mas glorifica sim a natureza, a fauna e a flora locais e sofre influências das artes efémeras, como era comum na época;
4- A principal inovação arquitectónica do manuelino é a abóbada rebaixada, de combados, única para as três naves, que estão à mesma altura, propondo uma forma engenhosa de unificação espacial;
5- As únicas igrejas manuelinas com todas estas inovações combinadas são: Stª Mª de Belém e as matrizes de Arronches e de Freixo-de-Espada à Cinta;
6- O arquitecto mais notável do manuelino foi João de Castilho;
7- A iconografia da heráldica, no manuelino, exalta a figura e o poder do rei;
8- Pelas suas características e inovações, o manuelino pode ser considerado uma arte portuguesa, distanciando-se do gótico e paralela ao renascimento, e que soube conviver com as formas renascentistas.

Leituras recomendadas: Manuel Cardoso Mendes Atanázio, A Arte do Manuelino, Lisboa, Presença, 1984.
Sobre os restauros dos monumentos manuelinos a historiadora de arte Maria João Baptista tem publicados livros e artigos sobre o tema.
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